Contraindicações & Condições de uso:

-Conteúdo facilmente inflamável;

-Conteúdo nocivo a neurónios sãos;

-Pode provocar hipersensibilidade a qualquer pessoa;

-O produto é geralmente bem tolerado por todos os que se aventuram, exceptuando nos casos de efeitos secundários; [temática a desenvolver adiante]

-O efeito local mais referido pelas vítimas foi uma certa "dormência" assim do pescoço para cima, mas deve ser encarado não como um efeito secundário mas como uma manifestação da hipersensibilidade dos neurónios sãos ao conteúdo, como atrás foi referido;

-Podem verificar-se, ainda que muito raramente, exceptuando quando sucedem com frequência, ataques súbitos de "baba", gaguez ocasional, olheiras, secura na garganta, muita sede e leves irritações no local onde o produto foi aplicado;

-Em caso de perda de sentidos, consultar um médico ou farmacêutico; se nenhum estiver disponível no momento tente o 112; se o número de emergência falhar aplique água morna nos olhos e esfregue com movimentos circulares até recuperar os sentidos;

-O autor não se responsabiliza de qualquer maneira por danos na matéria saudável que ainda exista dentro da cabeça dos leitores;


sábado, 17 de julho de 2010

A Morte do Polvo

Já começava a ter algumas saudades da chuva. Pelo menos no outro dia senti, naqueles quarenta graus à sombra. Eu era o único ser humano que se tinha atrevido a sair do covil personalizado a que normalmente os outros primatas que convivem comigo chamam a minha casa. E lá estava eu, arrastando-me por entre as sombras que podia, tentando não ser atropelado no alcatrão escaldante.

Claro que chegou a altura em que a sombra acabou. Nem árvores, arbustos, muros ou casas. Nem sequer a mísera sombra de um poste telefónico. Foi aí que comecei a perceber o significado real da palavra «nenhures». Bem, enquanto o meu corpo assava e se arrastava pelos quilómetros da mistura entre o alcatrão e a terra batida, comecei obviamente a delirar.

Vi passar a volta a França em pleno alto Alentejo e atrás deles pastores transmontanos a passear rebanhos de jacarés paranaenses.

Água...era tudo em que eu pensava...uma mísera, escondida gotinha de água.

Comecei a revirar pedras em busca de um qualquer vestígio de humidade, mas só consegui estragar o encontro de dois bichos-da-conta.

Por entre o meu delírio do meio dia, vi a coisa mais impossível de todas. Um polvo! Um polvo a arrastar-se por uma estrada de lado de nenhum com destino a vá-se lá saber onde...

Escusado será dizer que os meus pobres neurónios não estranharam a presença do cefalópode em tão recôndito e pitoresco sítio para um bicho daqueles. Assim, mal ele se chegou mais perto, meti conversa com ele.

-Hei! Oh, anda cá pá! Que é que um polvo como tu anda por aqui a fazer?
-Eu? Arrasto-me, ora essa. Pensei que fosse óbvio.
-Aaaah.....essa parte é...quer dizer...mas o que é que te trás por cá?
-Podia perguntar-te o mesmo. Pensei que os seres humanos vivessem todos em centros comerciais.
-Não! Que disparate! Alguns de nós ainda têm vidas e ainda se dão ao luxo de passear por aí. É isso que está a fazer?
-Não. Já disse que estou só a arrastar-me.
-E tens um nome ou coisa que valha por isso?
-Há quem me chame só Paul, mas o meu nome é mesmo Paulô.
-Paulô? Quase como se fosse em brasileiro?
-Não, Santa Mãe... Só Paulô.
-Então és Paulô, o polvo?
-Sim, sim, faço por isso...

Conversámos durante algum tempo, desidratando juntos, como companheiros. Falámos de política e de estilos de vida e chegámos à conclusão de que tínhamos opiniões bastante diferentes. Ele disse-me que aceitava tudo e todos, que era o mais liberal de todos os polvos! Até me chamou fascista pelo simples facto de saber o hino nacional do meu país... Proclamou liberdade para todos, igualdade e uma fraternidade conjunta com a Humanidade.

A meio da conversa passou por nós uma carrinha a fazer campanha ao CDS. Começa logo o polvo:
-Filhos da lula... só sabem é mandar vir! Vãos mas é para a vossa terra! Golfinhos!!!!

-Então, oh Polvo, que é feito dessa tolerância que 'tavas a apregoar?
-Ah, ficou na gaveta só um bocadinho...

Então percebi que o Paulô me tinha mentido. E que como polvo que era iria tentar meter o tentáculo em tudo o que conseguisse. Levantei-me e fui buscar uma pedra. Atirei-lha com força. Ele ainda protestou. mas à 3a já nem falava. Fiquei contente, porque vistas as coisas, os polvos não podem viver muito tempo em terra, nem podem muito quando uma pedra dura lhes é atirada à cabeça.

Virei costas ao cadáver do meu falecido companheiro sem quaisquer remorsos, porque afinal de contas um polvo, por muitos tentáculos que tenha, nada pode contra um verdadeiro calhau.

sábado, 17 de outubro de 2009

De lágrimas e das pedras da calçada ou Era uma vez um pombo

Acordei. Ainda mal era de dia, mas os pássaros já faziam uma barulheira imensa na rua. Ainda pensei em mandar um berro ao Octávio, mas depois lembrei-me...

O Octávio morreu.

Deuses, já foi há tanto tempo que já nem me lembrava dessa real figura columbófila. Da maneira como ele abanava o pescoço e dava às patinhas qual galinha citadina. E então, subitamente, lembrei-me do dia da sua morte.

Eu estava a fazer torradas, mas distraí-me e acidentalmente pus a mão em cima da torradeira... Puxei-a tão rápido quanto o meu sistema nervoso permitiu, e pelos vistos, rápido demais. Foi um movimento tão inesperado, que apanhou o Octávio distraído.

O pobre do pombo levou uma pantufada tal que voou (não pelos seus próprio meios) pela janela fora.

Com a minha mão quase a arder, nem reparei no animal e fui meter a pata (a minha) debaixo de água a correr para ver se a coisa passava.

Acabou por passar, mas só quando voltei a olhar para a janela escancarada é que me lembrei do pássaro. Gritei por ele, mas não respondia. Veio a Rosete, com os seus seis olhos a brilharem na minha direcção:

-Mataste-o... - disse-me ela numa voz triste, sem me atribuir directamente as culpas.
-Eu... foi sem querer. Onde é que ele está?
-Não o estás a ver?
-Não, daqui não vejo - respondi, cada vez mais assustado.
-É aquele borrão escurecido ali no meio da calçada...depois de o atirares, caiu em cima de um camião e esbardalhou-se do meio da estrada. Ainda estava meio estremunhado quando a velha lhe passou por cima.
-Atropelaram-no?
-Sim, com um carrinho de compras daqueles novos, de plástico.

E foi assim, o fim trágico de um grande amigo. Um pássaro sem igual. Um pombo entre os pombos...

Adeus amigo e que no céu em que estás voes para sempre.


E depois de eu ter pensado tudo isto e de ter lembrado as lágrimas que não chorei, voltei a adormecer, amaldiçoando os cabrões dos pombos que me tinham acordado. A última coisa que ouvi foi a Rosete a fechar as cortinas.

sábado, 4 de abril de 2009

Estátuas de Pedra - Porquê?

São só estátuas que nos olham.
É só pedra bem moldada.
São fantasmas que nos guardam
São só estátuas.

São figuras por nascer.
Vidas sem vida e olhos desalmados.
Gente perdida
Que não viveu.

São anjos. São demónios.
São o que a imaginação quiser.
São um beijo (eterno), um dar de mão sem se perceber
Um abraço escondido e a dor de ver morrer

Mas
Porquê?
São só estátuas de pedra.

Porque são sonhos moldados.
Porque são pedaços do coração da Terra, que achamos nossa.
Porque são os velhos rostos gastos que nos velam a vida e nos fazem avisos mudos.
Porque um dia, guardarão os nossos sonhos eternos (terrenos).

Simplesmente porque sim.
E, apesar de tudo, é só pedra...

sábado, 28 de março de 2009

Dos calhaus em si mesmos ou Como descer uma serra e sair de lá inteiro

[este post é para ser lido com a banda sonora do Jurassic Park em fundo]

Sobe, sobe, sobe, sobe.
Desce, sobe, sobe, sobe. E continua a subir até os teus pulmões e pernas começarem a dar de si.
Agora atira-te para o chão e tenta não desfalecer sobre o sol abrasador das onze da manhã da Primavera lusa.
Sim, porque lá no topo não há árvores. Só mar e arbustos pelo peito e calhaus literalmente ao pontapé. E o mar chama. Mas o mar é a um mergulho de mais de 300 metros, de silvado e mato raso, e calcário vingativo. Não vale a pena tentar.

Mais caminho e mais coisas verdes a entranharem-se pela roupa adentro e a esconder os caminhos (louvado seja o inventor da bela da calça de ganga!). E, quase sem se dar conta, embora os nossos pés o notem, está-se no topo. No píncaro de lá do sitio. E o que se vê? Mais mar, desta feita a mais de 350 metros de queda, de um lado o caminho subido aos tropeções, e do outro o que terá de ser descido, à base de trambolhão.



Agora começa a descida. Agora sem tanto mato rasteiro a atrapalhar, mas com paredes de rochas com inclinações para cima dos 45º (para os iletrados basta dizer que estava demasiado próximo da vertical). Ora, adaptando-se às condições e indo buscar ideias à bem dita natureza, é mais fácil descer à moda do caranguejo e descer a coisa a quatro patas, de rabo a arrastar-se pelo chão.

Passadas as "escarpas", começa o verdadeiro teste. A inclinação da montanha mantém-se, só que desta a descida é feita, no sentido literal do corta-mato. Com mais silvado e roseiras bravas a impedirem os caminhos que seriam mais fáceis, há que pegar em paus e começar à pseudo-catanada em tudo aquilo que nos apareça à frente e que seja aparentado com plantas (não vale a pena tentar assassinar os colegas que nos acompanham, pois podem ser úteis em caso de apara-quedas).

Enfim, o agradável chão calcetado do topo da serrania agora só faz saudades. Caminha-se sobre camadas de folhas caídas e primas de lianas que crescem no chão e pregam rasteiras aos mais incautos. E se agradeça quando estão no chão, porque quando se lembram de trepar e continuam a não se fazer notar, parecem ter um apetite voraz em se prender aos pescoços dos caminhantes.

Escorregando pelas folhas, temendo-se um derrocada, já que aquilo era tudo menos chão, e uma manada ao passar faz sempre estragos, é agradável chegar a terrenos menos inclinados.

Aí, por baixo de pinheiros e eucaliptos, sabe bem um almoço e uma paragem. Há quem tenha tempo até para limar unhas...


De barriga aconchegada e de bexiga mais leve (para quem pode e tem material útil neste tipo de situações ao ar livre - como quem diz para os rapazes), inicia-se novo caminho. Caminho aberto a custo, em tudo semelhante à descida de antes, mas desta feita, os arbustos dão lugar a mais silvas e rosas bravas. Picos e arranhões são excelentes recordações.

E eis se não que, depois de descer, por mato cerrado e coisas verdes inomináveis, por entre o arvoredo começam a nascer indícios de erva fresca. Dessa que se diz crescer em campos e pastos.


E a felicidade se apodera do caminhante, pois a descida terminou e [agora pára a música do Jurassic Park e começa a cena inicial da Música no Coração] só se vêem pastos lisos...


E vacas com olhares amigáveis.
Ou como alguém exclamou : "Bitoques, olhem tantos bitoques ali à frente!"

quinta-feira, 26 de março de 2009

Travessa do Calhau, nº5 , 3º Dtº - A Aranha Rosete ou Dos Vapores de Menta e Eucalipto

Aberta a porta verde da rua, a quinta porta de quem vem contando, rapidamente subi as escadas que me levaram por vários lanços, até ao meu destino. Terceiro andar. Três portas por onde escolher, mas a minha chave velha só abria uma. Terceiro direito.
E lá fui.
Esfreguei os pés no tapete, ou naquilo que se me pareceu ser um, e rodei a chave no trinco.

Estranho.
A casa não me tinha qualquer cheiro... Senti-me de súbito um extraterrestre a pisar pela primeira vez a Terra. Os meus sentidos de nada ali valiam. Alguém fechara todas as janelas. A única luz que me guiava era a que entrava pela porta que eu acabara de abrir.
Calmamente e aos apalpões pelas paredes, la´descobri que não havia luz eléctrica.
Senti-me uma toupeira. E novamente às apalpadelas, e usando, embora em vão, o nariz para me guiar, lá esbarrei com o que me pareceu ser uma janela.
Abri-a o mais rapidamente que pude.


E a vista surpreendeu-me. Dali se via toda a Travessa. Muito mais bonita do que eu tinha reparado la´em baixo. Afinal até era um sítio agradável.
E nem um som. Parecia que os meus únicos vizinhos eram os pombos que iam passando à janela escancarada.

-Mas que mal educado, não cumprimenta os presentes, e entra assim na morada dos outros. - falou uma voz.
-Olá! -respondi. A quem quer que seja que passe...
-Cá em baixo! - volveu a voz.
E, espantado, vi que era uma aranha que me falava.
Não a pisei, como qualquer normal pessoa faria. Afinal a aranha tinha acabado de me cumprimentar.
-Olá senhora aranha, por acaso as moscas gigantes e o senhor escaravelho não estão, não? -falei eu para o estranho aracnídeo.
-Não sei do que fala senhor. Vivo cá sozinha. Rosete é o meu nome.

Uma aranha chamada Rosete.
E foi aí que dei conta que algo de muito errado comigo se passava.
Pois eu sabia perfeitamente que uma aranha decente nunca iria ter aquele nome...

Enfim.... depois da Rosete, veio um pombo à janela, que cagando sentenças disse chamar-se Octávio. A seguir, miou um gato na rua. Não, afinal era uma gata. Miquelina.

Voltei a desconfiar, que isso era lá nome de gata. Mas a seguir veio um pardal aos saltinhos, que dizia que andava a ser perseguido por ombreiras de portas gigantes. O pobre coitado lá se poisou na minha janela, ao lado do Octávio, e desabafou todos os seus problemas.

Eu ouvi. Acho eu que ouvi. Não tenho a certeza.
Estava a gostar da minha nova casa.
Aliás estou a gostar. Esta travessa parece muito movimentada.

Mas o que me faz parar para pensar não são os animais falantes ou as nuvens e o sol sorridente. É sim o estranho cheiro que a casa foi ganhando.

Vapores de menta e eucalipto.
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Tudo isto para dizer olá e dar os meus cumprimentos às gentes que aqui habitam na Travessa. Espero encontrar-vos por aí. Numa esquina, sentados à janela, a cochichar a vida alheia, a fazer pouco da vida ou a curtir a bebedeira.

Sejam gente da que forem, agora vivo com vocês. E para mal vosso, vão ter que me aturar.